Já não suporto o raio da velha. O seu toque pegajoso, o olhar baço, o sorriso desdentado.
— Bom dia, filho.
Nem lhe respondo. Sento-me na cadeira do canto à espera que ela comece a queixar-se da comida, do enfermeiro, do tempo.
— Vem cá, rapaz.
Não quero. Mas vou. Já falta pouco.
— Tenho de te contar uma coisa — começa, enquanto me agarra a mão. Já sei que terei de me esforçar para que me seja devolvida. — Nunca te contei, porque… Nunca achei que fosse importante. Senta-te, meu querido, dás cabo das costas. Como está o trabalho? E aquela rapariga pouco asseada? Já a deixaste?
Desembucha, múmia, penso, sem dizer. Ela lá começa, apoiada no meu silêncio.
— Sou a tua mãe. Sabes isso, sim? Sempre te amei, a ti, mais do que a tudo o resto. Sempre te dei o que pude, e nem sempre foi suficiente, bem sei. Mas sou a tua mãe. Ninguém nos pode roubar isso. Queria contar-te que, apesar de ser a tua mãe, tu não vieste da minha barriga. Nunca moraste no meu ventre. Não. Passaste os teus primeiros nove meses, ou talvez tivessem sido apenas oito, dentro de outra mulher. Uma que roubou a tua semente e deixou que fosse usada dentro dela. A tua semente que devia pertencer-me. Estive sempre lá. A ver-te crescer, a reconhecer os teus movimentos na expressão dela. Tentei que ela se alimentasse bem, para que tu nascesses com força. Sempre cuidei de ti; sempre. E, quando chegou a hora, foste-me finalmente devolvido. Ela queria-te, claro. Quem não ia querer ter um filho como tu? Mas eras meu. E arranquei-te da barriga daquela ladra odiosa, limpei-te do sangue dela e, depois de te ter no meu colo, percebi que mais nada interessava. Ela gritava, eu só queria ouvir-te, e ela sempre a gritar. Até que a calei. E fugimos os dois. E fomos uma família maravilhosa, não fomos?
Está maluca o raio da velha. Pouco importa. Já não falta muito.