Filhos da Lua

Filhos da Lua

Autor(a):Dusk.JK

Prólogo - Vila Kaishiki

A nevasca rugia sobre a Vila Kaishiki como uma criatura viva, soprando rajadas ferozes que pareciam querer arrancar os telhados e devorar as chamas das lamparinas. A noite estava pesada, e o frio cortava como lâminas de gelo.

Dentro de uma pequena casa de madeira, um homem observava pela janela como a tempestade engolia o mundo. Sua voz, firme e grave, quebrou o silêncio:

— O arquipélago de Lagur está quase todo tomado pelos humanos... — murmurou. — O reino de Noutri caiu em ruínas na guerra contra Minami, e a Igreja avança por tudo que toca.

Uma menina de cabelos azuis aparentemente treze anos ergueu o rosto, os olhos brilhando curiosos como duas pequenas estrelas.

— Sério, papai?

Ele sorriu, apesar do peso em sua expressão.

— Sim, minha querida. Mas ainda existe o Norte... — sua voz suavizou, cheia de respeito. — Uma terra selvagem onde o arquipélago do Fogo começa. Lá ainda vivem humanos, mas são diferentes... respeitam a natureza como parte de si.

Loona se ajeitou mais perto dele, animada.

— Eu quero ir pra lá um dia!

— E irá, Loona. — Ele passou a mão em seus cabelos. — Há criaturas mágicas lindas. Lobos lunares, aves cristalinas... e florestas que cantam durante o inverno.

Eles estavam prestes a se abraçar quando um grito atravessou a tempestade como uma flecha.

— Ataque na vila Momonuske! Corram!

O homem empalideceu. Sem hesitar, agarrou Loona nos braços e correu para fora enquanto o caos se espalhava pelas ruas. Casas queimavam apesar da neve, o céu se tingia de vermelho, e o uivo da ventania se misturava aos gritos desesperados.

A lua subiu, redonda e fria, observando em silêncio a queda da vila.

No Coração da Floresta

Longe dali, no centro da floresta coberta de neve, um pequeno filhote de lobo jazia junto ao corpo enfraquecido de sua mãe.

O filhote era branco — branco como a lua cheia, branco como prata pura — pequeno demais até para abrir os olhos.

A loba sangrava por um corte profundo na barriga, arfando entre tremores. Seus ouvidos se ergueram quando passos pesados quebraram o silêncio.

— Fiquem longe! — rosnou, mostrando os dentes numa última tentativa de proteger seu filho.

Mas do nevoeiro não surgiram caçadores.

Surgiram lobos.

Uma matilha inteira avançou com cautela, liderada por um lobo enorme de pelagem cinzenta marcada por quatro cicatrizes cruzadas no rosto.

— Eu sou Scar, alfa desta Alcatéia — disse ele, a voz firme como pedra.

A loba arfou, lágrimas quentes se misturando à neve.

— Mataram todos... eles mataram todos... Viemos do Norte… fugindo…

Scar se aproximou devagar, inclinando a cabeça.

— Não gaste suas últimas forças relembrando a dor — disse com respeito. — Vocês são filhos do Norte, e meu respeito por vocês é profundo.

Use o que resta para se despedir de seu filhote. Eu... cuidarei dele como se fosse meu.

A loba chorou — não mais de dor, mas de esperança.

Lambeu o filhote com carinho, limpando-o com o pouco de vida que ainda possuía.

Minutos depois, seu corpo tombou na neve silenciosa.

Scar deu um passo à frente. Sua parceira, Lyna, aproximou-se e recolheu o pequeno filhote com toda a delicadeza do mundo.

— Levarei no para a nossa caverna — disse ela, voz baixa.

Scar assentiu.

— Certo. Mande Ravik vir até mim. Precisamos caçar... e encontrar aquele homem.

Lyna suspirou, um pouco amarga.

— Eu ainda não entendo por que confia tanto em humanos.

— Porque ele foi gentil conosco — respondeu Scar simplesmente. — E gentileza é algo que nunca se esquece.

Ela não discutiu. Apenas partiu.

Ao Amanhecer

Quando o sol enfim tocou as montanhas, as chamas haviam se apagado. Vila Kaishiki era apenas cinzas, fumaça e silêncio.

Entre os restos queimados, o homem que sobrevivera segurava Loona nos braços, envolvida em cobertores. Seu rosto estava endurecido pela dor.

— Eu prometo... — murmurou ele, a voz quebrada. — Eu prometo que vingarei todos eles.

Loona tremia, olhos cheios de lágrimas, o corpo enterrado contra o peito do pai.

— Papai... eu tenho medo...

— Eu sei, minha pequena — ele respondeu, apertando-a mais forte. — Mas enquanto eu viver, nada vai te tirar de mim.

E sob a fraca luz do amanhecer, pai e filha se abraçaram entre as ruínas — enquanto, na floresta, um filhote de lobo branco respirava seu primeiro dia sob a proteção de sua nova matilha.