O Último Acordo

O Último Acordo

Autor(a):Gabriel s.c.

Objeção, Meritíssimo!

Darving estava em pé, os olhos fixos em um espaço que desafiava tudo que ele conhecia por realidade. Não havia chão sob seus pés — apenas um campo invisível sustentando seu corpo sobre o vácuo estrelado. Ao redor, galáxias giravam como se assistissem ao espetáculo silencioso. No horizonte, estruturas flutuantes de arquitetura impossível reluziam com a luz de sóis distantes. E no centro, uma plataforma escura e imponente, feita de um material que parecia obsidiana líquida, suspensa no nada.

O ar ali — se é que podia chamá-lo assim — parecia mais denso, como se estivesse cercado por um peso invisível. Algo além do espaço e do tempo o observava.

Figuras colossais pairavam acima. Algumas eram apenas sombras monumentais contra o pano de fundo das estrelas. Outras tinham formas geométricas em constante mutação. E havia também o mais hipnotizante entre eles: uma serpente colossal feita de pura luz, cujos olhos eram rasgos no próprio tecido do universo.

O cérebro de Darving latejava.

Minutos antes, ele atravessava uma rua chuvosa da cidade — passos apressados, cabeça cheia de argumentos para o tribunal. Um caso difícil, um cliente desesperado. Seu foco estava em tudo, menos na estrada.

O farol vermelho piscou diante de seus olhos, mas ele já estava distraído demais. O som de um motor furioso irrompeu da lateral. Um caminhão. Rápido demais. Tarde demais.

O impacto veio como um trovão. O mundo girou. O frio da chuva se dissipou. E então… o nada.

E agora, isso.

Ele apertou os olhos, respirou fundo. Não. Isso era um delírio. Tinha que ser. Talvez estivesse em coma, preso em alguma ilusão criada por seu próprio cérebro ferido. Mas o ar ali era denso, pesado. O frio do vácuo não existia, mas algo, alguma força invisível, pressionava seu peito.

O cheiro da chuva ainda parecia impregnar suas roupas, embora já estivessem secas, como se tivessem sido arrancadas do tempo. Sua mente corria em círculos, buscando lógica no impossível.

— Isso é um coma — murmurou para si mesmo. — Uma alucinação.

Mas tudo parecia real demais. O vazio ao redor não era apenas um fundo sem textura. Ele sentia algo ali. Algo que o estudava.

Então, uma voz reverberou no espaço. Profunda. Ancestral. Como se o próprio cosmos falasse:

— O Julgamento Final da Raça Humana será realizado. A defesa tem a palavra.

Darving piscou. Por um momento, pensou ter entendido errado. "Raça humana?" "Julgamento final?" "Defesa?"

O instinto profissional assumiu antes que sua mente conseguisse reagir. Seus ombros se endireitaram, a respiração ficou mais controlada. Ajustou o paletó rasgado por puro reflexo.

— Com todo respeito... acredito que houve um erro processual aqui.

O silêncio foi absoluto. Até as estrelas pareciam ter parado de brilhar.

Uma das entidades se virou lentamente para ele. O movimento não fazia sentido — como se o próprio espaço se dobrasse para atender à sua presença.

— Erro processual? — A voz não vinha de um único ponto, mas de todos ao mesmo tempo.

Darving engoliu seco. Mas sua postura não vacilou.

— Sim. Eu sou advogado. E, até onde sei, não se pode iniciar um julgamento sem apresentar os termos da acusação. Sem deixar claro quem é o réu. Sem oferecer à defesa qualquer informação.

Suas palavras ecoaram pelo vazio. Pequenas, diante da imensidão. Mas carregadas de convicção.

As entidades permaneceram imóveis. Ou talvez estivessem debatendo sem que ele pudesse perceber.

Então, a serpente de luz se moveu. Seu corpo ondulava pelo espaço, dissolvendo o tecido da existência em trilhas de energia pura. Sua voz, quando veio, soou como um trovão cruzando o véu do tempo:

— A humanidade foi acusada de crimes cósmicos contra a harmonia universal. Este julgamento definirá seu destino, e o destino de tudo o que com ela se conecta.

Darving franziu a testa.

— A humanidade...? — murmurou. — Espere... vocês estão falando da Terra?

Ele olhou ao redor, buscando algo que fizesse sentido. Algum rosto familiar. Alguma âncora para a realidade.

— O que exatamente a Terra fez? Que tipo de crime poderia justificar um "julgamento final"? Nós mal conseguimos nos entender uns com os outros. Não temos nem tecnologia interestelar! — sua voz se ergueu, carregada de frustração. — Isso não faz o menor sentido!

Outro silêncio. Mas havia algo diferente desta vez.

A serpente inclinou-se em sua direção, seus olhos rasgando o ar.

— Não, advogado. Você não defende a humanidade da Terra.

O impacto daquelas palavras varreu Darving como uma onda. O que isso significava? Que humanidade, então?

— Como assim? — sussurrou. — Existe... outra?

As estrelas ao seu redor se distorceram. E então, imagens começaram a se formar no espaço: florestas encantadas, cidades esculpidas em montanhas, bestas mágicas voando sob luas gêmeas. Um mundo que não era o dele.

Um mundo de fantasia.

Um mundo de magia.

— Você defende um reino humano que não pertence ao seu universo — continuou a serpente. — Um mundo compartilhado com elfos, anões, demi-humanos e criaturas antigas. Todos eles, agora, enfrentam julgamento por desequilibrar os fluxos da existência.

Darving cambaleou um passo para trás.

— Isso... isso é impossível. Eu não conheço esse lugar. Não conheço essas raças. Como posso defender o que não entendo?

O peso invisível ao seu redor pareceu se intensificar.

Então, uma nova voz emergiu — distinta da serpente, mas igualmente imponente.

— Você foi trazido por sua mente... mas escolhido por sua alma. Este julgamento seguirá as Leis Cósmicas, mas sua única esperança está em aprender as Leis da Magia Jurídica.

Antes que pudesse reagir, uma figura surgiu à sua frente. Humanoide, mas... diferente. Sua pele refletia a luz como metal polido, e seus olhos azulados pareciam enxergar além do tempo.

— O mundo que você deve defender chama-se Elaris — disse a figura. — E ele está à beira da ruína. Você é o único que pode salvá-lo. Não apenas os humanos. Mas todas as raças que nele coexistem.

Darving fitou o ser, depois olhou para os juízes cósmicos. Ele estava sozinho. Sem mapas. Sem leis. Sem aliados.

Seu corpo inteiro gritava que aquilo era um absurdo. Que não fazia sentido. Que não era sua responsabilidade.

Mas o vazio ao redor não oferecia respostas. As entidades cósmicas aguardavam, seus olhos queimando como estrelas mortas.

Não havia mais caminho para trás. Apenas para frente.

A voz cósmica finalizou:

— Que comece o julgamento.

Darving respirou fundo. O ar parecia mais pesado agora.

Não havia saída. Não havia como recusar.

A única opção era lutar. Aprender. E vencer.