Eu ainda me lembro de você.
A chuva escorria lenta pelas janelas do pequeno café, desenhando caminhos tortuosos no vidro embaçado. Do lado de dentro a luz amarelada criava uma atmosfera quase aconchegante mas a tensão entre os dois homens sentados à mesa tornava o ar pesado.
O jovem Leng segurava uma xícara de café entre os dedos mas não a levou aos lábios, seus olhos profundos estavam fixos no rosto de seu amado Ohm, havia neles uma mistura de dor, raiva e uma esperança que se desfazia pouco a pouco.
Leng finalmente quebrou o silêncio. Sua voz saiu baixa quase trêmula.
— Por que você não quer um relacionamento sério comigo Ohm?
Ohm desviou o olhar sentindo o peso daquela pergunta como uma lâmina fria contra a pele. Ele sabia que essa conversa viria, sabia que não poderia fugir para sempre mas não estava pronto.
— E por que eu te vi saindo de um motel com outro homem? Leng continuou, sua voz ganhando um tom mais afiado.
— Quem era ele?
Ohm apertou os punhos sobre a mesa, ele não podia dizer. Não agora.
— Me pediram segredo… Eu realmente não posso falar sobre isso.
Leng riu, mas havia ironia em sua risada.
— Segredo? É isso? Você realmente espera que eu acredite nisso?
Ohm ergueu o olhar seus olhos escuros refletindo algo que nem ele mesmo entendia.
— Leng, por favor… Eu juro que não é o que você está pensando.
— Então me diz! Se não era o que eu estou pensando o que era?!
Ohm abriu a boca, mas hesitou, o silêncio que se seguiu foi a resposta que Leng não queria, mas já esperava.
Ele soltou um suspiro entrecortado desviando o olhar para a janela. Lá fora a chuva continuava a cair como se o céu chorasse em seu lugar.
— Sobre nós dois… Eu ainda não estou pronto para um relacionamento sério.
Leng sentiu como se tivesse levado um soco no peito, ele piscou algumas vezes com os olhos cheios de lágrimas tentando processar aquelas palavras.
— Você realmente acha que eu sou idiota, né? Que eu vou acreditar que você não dormiu com aquele cara?
— Leng, eu…
Mas ele não esperou ouvir mais nada, levantou-se bruscamente derrubando a cadeira no processo e saiu correndo pela porta. Ohm ficou ali paralisado, vendo a única pessoa que ele realmente queria em sua vida desaparecer na noite.
Nos dias seguintes ohm tentou ligar, mandar mensagens, perguntar por Leng nos lugares que ele costumava frequentar, mas não o achou .Foi então que ele percebeu da maneira mais dolorosa possível que nunca soube ou procurou saber muito sobre Leng, tudo que ele sabia era que Leng era professor em uma escoala de ensino fundamental, só isso.
E então semanas depois, o telefone tocou.
— Senhor Ohm Chantharat? — A voz do outro lado era firme, profissional. — Aqui é da polícia. Você conhece um homem chamado Leng Sirirat ?
O coração de Ohm disparou.
— Sim, eu conheço. O que aconteceu?
Houve uma pausa longa demais para ser um bom sinal.
— O corpo dele foi encontrado sem vida boiando sobre um rio. Precisamos que venha fazer o reconhecimento seu número está salvo como contato de emergência dele.
Ohm sentiu o mundo ao seu redor desmoronar, seu coração martelava no peito, suas mãos tremiam descontroladamente, era como se o chão estivesse se abrindo sob seus pés engolindo-o por inteiro.
Mas ele reuniu forças e foi até lá.
Quando viu o corpo a última esperança de que tudo fosse um engano se despedaçou.
A roupa era a mesma do dia da briga, o colar que ele dera ainda estava ali descansando sobre a pele fria.
Ohm caiu de joelhos.
E então, o vazio dentro dele gritou.
A dor veio em ondas um misto de raiva, tristeza, arrependimento e saudades esmagando seu peito.
E ele chorou.
Chorou como nunca antes.
Porque Leng se foi.
E nada no mundo poderia trazê-lo de volta.
O tempo passou, mas o vazio permaneceu.
Cinco anos haviam se esvaído como areia soprada pelo vento e Ohm ainda vivia preso àquela noite, ele fingia ter seguido em frente ou ao menos tentava. Mas por dentro continuava naquele café, vendo Leng partir ou à beira do rio, encarando o corpo sem vida do único homem que amara de verdade.
Seu escritório era espaçoso, decorado com tons sóbrios e organizados ao extremo como se tudo ali precisasse estar no lugar exato para que ele não desmoronasse. Atrás da mesa, janelas de vidro refletiam a cidade movimentada mas Ohm raramente olhava para elas, seus olhos estavam sempre no passado.
Passado.
Senhor Ohm a voz de Poon, seu secretário o tirou dos pensamentos.
– O investigador não encontrou nada novo sobre o senhor Leng, ainda as mesmas informações: órfão, cresceu em um abrigo, poucos amigos, os professores da escola onde ele trabalhou foram os únicos que sentiram sua falta. No dia da morte ninguém o viu.
Ohm massageou as têmporas e suspirou.
— Nada além disso?
— Nada.
Ele fez um gesto para que Poon se retirasse. Assim que ficou sozinho abriu a gaveta e pegou uma fotografia antiga.
Leng sorria nela, era uma foto tirada sem que ele soubesse em um dia qualquer, em uma tarde qualquer quando o mundo ainda parecia certo.
Ohm passou os dedos pela imagem sentindo um aperto familiar no peito.
O toque do seu celular quebrou o silêncio.
— O que foi? atendeu sem paciência.
Era um de seus poucos amigos que restaram em sua vida depois dele ter se afundando na dor da perda de Leng.
— Ohm, chega disso a voz de Benz soou do outro lado. - Você não pode viver nesse luto eterno, vamos sair.
— Não estou com cabeça pra isso.
— Então que você acha de eu contar pra sua mãe que você não está indo na terapia mais.
Ohm apertou o celular com força.
— Você não faria isso.
— Ah, experimente e veja.
Ele fechou os olhos frustrado.
— Que inferno, Benz... Tá bom.
Em uma boate com luzes vibrantes e música ensurdecedora, o ar estava carregado com o cheiro de álcool, perfume e desejo. Ohm sentia-se deslocado como se estivesse vendo tudo de fora incapaz de se conectar à energia ao seu redor.
Ele estava sentado no bar quando viu.
O copo escorregou de seus dedos e caiu sobre o balcão, mas ele não percebeu.
No palco entre os dançarinos estava seu Leng.
— Não.
Não podia ser Leng.
Mas aquele homem... aquele homem tinha o mesmo cabelo castanho, os mesmos olhos profundos, as mesmas lindas covinhas e as mesmas belas pintas no rosto que Ohm adorava beijar.
Seu coração disparou e o tempo parou.
Ele se levantou, atravessando o salão como um fantasma.
— Leng... chamou com a voz rouca e hesitante.
O dançarino não reagiu.
— Leng!
O homem virou-se, os olhos brilhando sob as luzes coloridas.
Mas algo estava errado.
Aquele olhar... era frio e desconhecido.
— Quem caralho é Leng? o dançarino perguntou impaciente.
Ohm congelou.
Não... era impossível.
Mas então ele ignorou a lógica e avançou segurando o outro pelos ombros, encarando-o de perto.
— Leng... você está vivo...
O dançarino tentou se afastar.
— Me solta porra, seu maluco!
Ohm o puxou para um abraço, ele precisava sentir, precisava confirmar.
O perfume era diferente mais o corpo era o mesmo.
— Você está vivo... - ele repetiu com sua voz embargada.
O dançarino o empurrou violentamente.
— Sai de perto de mim, porra!
E sem hesitar, desferiu um soco contra Ohm.
Seus amigos Benz, Aj e Pete apareceram, segurando Ohm antes que ele fizesse algo pior.
— Ohm, já chega! - Benz gritou. - Você tá vendo coisas! O Leng morreu ja faz muito tempo!!
O dançarino furioso virou-se e desapareceu pela multidão.
Ohm sentiu-se sufocar.
— Mas era ele... eu juro...
Seus amigos o puxaram para fora da boate antes que ele pudesse fazer mais uma cena.
A noite terminou com Ohm bêbado, dormindo em sua casa com a camisa que Leng costumava usar pra dormir.