O Diário da Ladra

O Diário da Ladra

Autor(a):Lady Annart

Uma boa aventura começa em uma taverna

Percia suspirou, escondida sobre o telhado de uma das diversas casas da Cidade Exterior, que com o anoitecer dava lugar a vida noturna, pessoas comuns retornavam a suas casas, os gritos do cais davam lugar para risadas de homens bêbados e canções piratas, às tavernas abriam suas portas.

Sua velha capa de couro batido a protegia dos ventos frios da noite que traziam consigo o cheiro de maresia e areia. Em suas mãos um pequeno saco de moedas de ouro, cinquenta em seu total, ela já havia contado e recontado aquele valor desde quando tinha de forma habilidosa surrupiado um homem estranho pela manhã no mercado. Ela tinha sentido até os pelos de sua cauda arrepiarem com os olhos vazios do homem.

Os mercados, pensou ela, eram o lugar mais fácil de se roubar alguém. Grandes multidões pelas inúmeras barracas, gente de todos os lugares, e o melhor na visão dela, com bolsos tilintando de ouro e prata. Tinha sido uma manhã comum, o estômago de Percia roncando como um som semelhante a pombos, ela estava morrendo de fome, ela sempre estava morrendo de fome.

Tinha começado seu dia de forma normal, caçando algum descuidado rico no mercado para afanar algumas moedas, nobres jovens com poucos guardas eram suas vítimas favoritas. Andando por aí, com o peito estufado e dinheiro na mão, como se fossem intocáveis... ela riu. Percia tinha uma visão diferente, a única coisa que lhe torna intocável é poder. E muita influência como ela bem sabia.

Ela lembrava bem de estar caminhando entre a multidão naquela manhã cotidiana, ter um e um terço de kobolt¹ lhe ajudava a passar despercebida por grandes multidões, quando o viu. O homem de pele cinzenta e na altura normal de dois kobolts. Tinha cabelos longos negros e discutia de forma fervorosa com o vendedor de quinquilharias do resto do continente. Parecia estar o acusando de algo... Percia não pensou muito, seu alvo era a bolsa redonda presa ao cinto do homem.

Enquanto aquele homem estranho discutia com o homem, Percia se aproximou olhando para os produtos da barraca ao lado, e decidiu testá-los, sua mão sutilmente abaixou até uma das maçãs da banca e a surrupiou para dentro da capa.

Ninguém pareceu notar, ela decidiu arriscar e fingindo um tropeço, se inclinou, os dedos leves como seda pegaram a saco de moedas, ela sorriu, satisfeita ao sentir o peso das moedas, mas quando levantou os olhos...

Tudo pareceu congelar ao seu redor, as pessoas, os vendedores... mas o homem parecia encará-la, não, ele não podia..? Seus olhos eram brancos, não um branco pérolado, mas um branco tingido de cinza, parecia uma neblina num dia chuvoso como se pudesse invadir suas narinas e sufoca-lo. Foi quando o ouviu dizer ao vendedor.

- Mor Tur Ruth. -A voz era sombria, alta parecia algo que ela não devia ouvir.

Percia não perdeu tempo, decidida a não descobrir o significado daquelas palavras se distanciou e se perdeu na multidão, ela não soube quando, mas tinha começado a correr.

Tirada de seus pensamentos, Percia se espreguiçou, ela esperava nunca mais ver aquele homem, mas seus olhos de neblinas invadiam sua mente.

Olhando para baixo, Percia notou o baixo movimento das ruas e casa, claro, menos do Olho de Gato.

Olho de gato era uma taverna de troncos de madeira ao invés de tábuas, e era um prédio alto, a porta chegava a ter seis kobolts de altura. Fazia sentindo, afinal eles recebiam todo o tipo de gente, e quando se diz todo o tipo de gente, estão inclusos até o que grande parte da cidade considerava repugnante: Ladrões, assassinos, mercenários, pessoas do deserto... pobres.

Percia não se considerava particularmente azarada, mesmo não tendo pais. Na verdade ela tinha, mas como todo Felix, foi deixada sozinha com seus irmãos de ninhada. Percia era o que muitos chamavam de metade animal, ela odiava aquela nomenclatura. Ela era uma meia gata, seus pais só a cuidaram até ela saber se virar, e foram embora. Nem um adeus, um se cuida filha te vejo depois... era a vida, e Percia aprendeu a jogar esse jogo.

Ela não passava fome, roubar para comer era considerado crime? Na Cidade Exterior era. Na verdade grande parte das coisas eram consideradas crimes, inclusive revoltas ou manifestações. A cidade era dividida entra e parte Exterior e Interior. Os pobres pra fora os ricos para dentro. Um sistema justo e de igualdade, viva a Soth.

Percia bufou com o pensamento, saltando do telhado e caindo de pé, sua cauda longa balançando enquanto ela a escondia enabaixo das calças, e as orelhas pontudas escondidas no capaz.

Ela andou pelas ruas se pedras soltas até a porta do Olho de Gato, que era o lugar mais seguro para ela. Mesmo que ali houvessem assassinos e o tipo de criatura que lhe arrancaria o coração se fosse olhasse demais, mas um tipo se ser nunca entrava no olho de gato. E esses eram: os guardas reais.

Percia sentiu os pelos finos e quase invisíveis de seus bigodes tremerem, antes de saltar para o lado, bem de frente na porta de entrada, um grupo de orcs com mais de dois Kobolts e meio de altura haviam sido jogador para fora, com se por um tornado furioso... e a causa estava parada na frente da porta: Liandry.

Liandry era uma mulher enorme, humana, mas com dois Kobolts de altura, músculos tão definidos que pareciam capaz de amassar aço só com ela os flexionado. Tinha o rosto bruto, mas bonito, usava o cabelo curto negro, uma uma calça justa de couro preto e algo que deveria ser uma armadura mas só cobria os seios dela. Liandry era uma ex mercenário, uma bárbara de algum lugar distante que havia construído o Olho do gato, ela havia cortado os carvalhos de uma das florestas próximas e as usado para a construção.

Liandry sorriu para Percia, seus lábios tinham uma fina cicatriz translúcida. Nas mãos, uma clava se metal espinhoso, maior que Percia.

-Ora ora gatinha... procurando comida? -Liandry colocou a clava nas gostas, com um sorriso no rosto, deixando Percia entrar.

-Você ainda não memorizou meu nome? -Percia sibilou. Ela deu um pequeno pulo pelos orcs caídos e andou até Liandry, não ficando muito próxima ao alcance da clava. -Tem quarto?

-Não gosto de lembrar de nomes, guardo minha memória para outras coisas... -Os olhos de Liandry não estavam mais em Percia, mas focadas em algo atrás dela que Percia não conseguiu ver. - E sim gatinha, seu quarto esta vago. 1 moeda de ouro.

Percia tirou de um dos vários bolsos de seu casaco uma moeda e entregou a Liandry. Ser uma ladina lhe ensinou desde sempre a nunca guardar dinheiro no mesmo lugar.

-Hm... percebo que já fez sua vítima de hoje. -Liandry apoiou a clava no chão, e sorriu.

- Prefiro chamar de teste de segurança, e falharam. - Percia deu alguns passos, observando a clientela da noite.

Não havia muita gente nova, mas um especial chamou sua atenção, um garoto que devia ter sua idade, com cabelos castanhos, um casaco velho vermelho e um chapéu, que ela tinha certeza ser barato de pirata.

Percia se sentou ao lado do garoto pirata, tentando ver se ele tinha algo de valor, mas logo percebeu que tudo era falso. Então sentou num banco, as pernas balançando pela sua baixa estatura, enquanto via Liandry ir para trás do balcão.

Pendurado acima do balcão, havia uma enorme clava de ferro negro, com vários espinhos prateados.. a sutil lembranças de Liandry que não aceitava fiado.

-A gatinha vai querer leite? Devo servi-lo quente? -Liandry perguntou enquanto passava as mãos pelos cabelos curtos e rebeldes negros.

Percia soltou um sigilo, como um gato irritado.

-Essa velha piada não tem graça. -Mas ela acenou concordando em querer o copo de leite.

O garoto sentado ao lado, pareceu confuso, ele bebia algo, que ela ou muito estava enganada, ou era água. Que tipo de pirata bebia água? E notando melhor percebeu que ele também comida um prato de bolo rosa. Um bolo roda, com cobertura de morangos perfeitamente cortados e com o prato também rosa. Ela sabia muito bem quem tinha feito o bolo... Orgy.

O garoto pareceu perceber seu olhar porque virou com um sorriso grande demais, ela não gostou. Havia farelos de bolo no rosto dele, e os cabelos longos castanhos ondulados pareciam bagunçados como se ele tivesse feito uma maratona. Agora ela podia perceber detalhes que não tinha visto antes, como o canhão de pequeno porte que ele carregava consigo, talvez não fosse bom mexer com ele.

-Ah, prazer! Alexandre, mas pode me chamar de Ale! -O garoto, Ale, falou num tom alto e com aquele sorriso grande.

-Vou te chamar de, idiota. -Percia deu um gole no seu leite, apreciando o sabor da bebida, deixando duas moedas de prata nas mãos de Liandry.-Você com toda certeza e um idiota.

-Idiota? Eu não sou idiota! -Ele falou num tom defensivo,. Cruzando os braços.

Percia decidiu lidar com ele da melhor maneira que poderia. Ignorando completamente, enquanto com a mão fazia um sinal de conversar com ele, o garoto estava fazendo algum discurso, mas Percia ficou concentrada em outras coisa. Ela observou Liandry, que flertava com uma outra moça.

Percia então se levantou, cansando de ficar ali, ela decidiu que era uma ótima hora para um cochilo e quando ela estava na metade do caminho para os quartos, quase chegando nas escadas, a porta da taverna fora jogada com força do outro lado da taverna.

Um ser caminhou com passos calculados, não era alguém forte, mas mesmo assim Percia gelou, sentiu os pelos da causa se arrepiarem e ourisarem quando viu os olhos brancos do homem... o mesmo homem do mercado. Que a encarava em fúria.

-Que merda você pensa que está fazendo? -Gritou Liandry, pegando sua clava e se pondo em frente a Percia, que ainda tremia.

Ale, olhou do homem de olhos brancos a Liandry, devorando rapidamente seu bolo roda, e falando com a boca cheia algum discurso idiota de pirata.

-Silêncio idiota. Não dá pra entender. Não é hora pra discurso! -Percia falando irritada, mesmo tremendo.

As pessoas da taverna correrem para longe, deixando somente Liandry, Percia e Ale ali, por mais que Percia não soubesse de Ale valia mais que a metade de algo.

Tudo pareceu passar em câmera lenta, quando Liandry partiu para cima do homem com sua clava, Ale segurando seu canhão de mão saltava com o rosto sujo de bolo gritando algo e atirando no homem, Percia se preparava para fugir ela mal teve tempo de reação, o homem ergueu a mão e tudo que ela viu foi uma enorme onda de tons arroxeados acertando os três, ela viu Liandry sendo arrematada contra a parede, Ale tinha voado para algum lugar que é Percia caído contra o chão duro, sua cabeça bateu com força a fazendo sentir sangue escorrendo pelo rosto, suas orelhas sensíveis doendo. Enquanto o homem se aproximava dela.. com a visão turva ela notou os olhos brancos a encarando como se visse todos seus erros... todos seus defeitos, e então ele a chutou com força no rosto, ela sentiu-se perdendo a consciência enquanto ela tentava se manter consciente.. Percia não queria morrer ali... não queria perder uma das duas nove vidas.