Yuki sempre foi o tipo de pessoa que ninguém percebe.
Magro, silencioso, olhos fundos e vazios como um poço seco.
Mesmo em meio à multidão, ele parecia existir em preto e branco.
Aos 17 anos, Yuki já sabia que o mundo não era justo. Ele sentia isso desde criança, quando aprendeu que "lar" não é sinônimo de segurança, e que "família" pode ser uma prisão.
Sua casa era pequena, escura, sempre com cheiro de álcool velho e gritos entalados nas paredes. Seu pai, um ex-operário, amargurado e explosivo. Sua mãe, sempre entre um cigarro e outro, carregava o olhar cansado de quem desistiu da vida há anos.
Yuki era o erro que eles não puderam corrigir.
E faziam questão de lembrar disso todos os dias.
Acordava cedo para limpar a casa antes que o pai reclamasse. Cozinhava o que dava com o pouco que havia na despensa. Evitava fazer barulho, evitar era a regra número um.
Mas mesmo assim, às vezes ele apanhava. Às vezes, sem nem saber o motivo.
E mesmo com os ossos doendo, ele ia trabalhar em silêncio, ajudando numa quitanda, empacotando compras, carregando sacos pesados. Tudo por algumas moedas.
Porque se ele não ajudasse... a culpa seria dele. Sempre era.
Mas naquela noite, tudo mudou.
Era uma sexta-feira. A chuva caía fina, batendo no telhado enferrujado como dedos impacientes.
Yuki lavava a louça com as mãos tremendo – não de frio, mas de cansaço. Já passava das dez.
Foi quando ouviu batidas na porta. Três, secas. Fortes.
O pai abriu.
Do lado de fora, um homem alto, de terno preto, luvas de couro e olhar como aço congelado.
Renji Kurozawa.
O nome que fazia homens poderosos engasgarem de medo.
Um dos chefes mais perigosos da máfia oriental.
Dizem que ele já matou um homem com as próprias mãos – e com um sorriso no rosto.
Yuki não sabia nada disso.
Só o observava em silêncio, secando as mãos no avental rasgado, parado ao fundo da sala.
Renji encarou os pais como quem avalia lixo que pode ser útil por um tempo. Então tirou um maço de dinheiro do bolso e jogou em cima da mesa.